Título
Original: Paper Towns
Pontuação:
Editora:
Speak
Ano:
2008
Páginas:
305
Em Cidades de papel, Quentin Jacobsen tem uma paixão platônica pela magnífica vizinha e colega de escola Margo Roth Spiegelman. Até que em um cinco de maio que poderia ter sido outro dia qualquer, ela invade sua vida pela janela de seu quarto, com a cara pintada e vestida de ninja, convocando-o a fazer parte de um engenhoso plano de vingança. E ele, é claro, aceita.
Assim que a noite de aventuras acaba e um novo dia se inicia, Q vai para a escola e então descobre que o paradeiro da sempre enigmática Margo é agora um mistério. No entanto, ele logo encontra pistas e começa a segui-las. Impelido em direção a um caminho tortuoso, quanto mais Q se aproxima de Margo, mais se distancia da imagem da garota que ele achava que conhecia.
Sem spoiler, dessa
vez, eu prometo! Porém, terá de se contentar com traduções rudimentares de certas citações da autoria de minha pessoa, visto que não tive como ver a tradução oficial.
John Green. Oh, céus, John Green! Ok, eu
não estou necessariamente dizendo que ele é um gênio – mas ele é certamente genial. Claro que, como qualquer autor,
John tem seus pontos fracos (que ele próprio reconhece); porém, falando em
relação à minha experiência de leitura, sinto que os pontos bons ultrapassam
largamente os maus. E minha opinião não se sustenta por si mesma: tirando o
fato de A Culpa é das Estrelas ter
sido nomeado best-seller número um na
lista do New York Times, Cidades de Papel foi premiado com o Edgar Award, e Quem É Você, Alasca?, seu primeiro livro, conseguiu assegurar-lhe o
Michael L. Printz Award (que é apenas o prêmio mais importante para YA nos
Estados Unidos). Mais tarde, O Teorema
Katherine viria a ser nomeado mais uma vez para o Printz, se bem que, dessa vez, se ficou apenas pelas honras.
Portanto, se você é daqueles
pseudo-inteletuais que gritam a pulmões cheios que John Green não passa de uma
modinha, por favor, saia. Ou fique – mas apenas se me puder garantir, desde já,
que vai manter uma mente aberta. Todos temos nosso lado hipster, mas é bom notar que os autores também precisam de fazer
sucesso para se sentirem apreciados, para além de que sustentar uma família é
uma tarefa difícil, que requere ganhos. Se o livro não tiver lucro, o autor tem
que conseguir outro emprego para pagar suas contas – e isso acarreta perdas
criativas. E também tenho certeza que muitas das obras que hoje consideramos
clássicos só não foram apelidados de “modinha” pela população geral, porque, na
época, não havia internet.
Agora que tratamos desse
assunto, continuemos para outros mais produtivos. Então, eu sei que na passada
sexta, dia 16, foi lançado no Brasil Cidades
de Papel. E deixem-me que vos diga: finalmente! Em Portugal, já tive a
oportunidade de ter alguns encontros com a versão portuguesa da obra – se bem
que acabei por comprar a versão original. Eu tenho facilidade com o inglês e
sempre sai mais barato, então, para mim, é só vantagens. Para além de que adoro
poder ver por mim mesma as palavras que o autor usou. Por melhor que o tradutor
seja, perde-se inevitavelmente algo na tradução. Não algo necessariamente
importante, mas algo.
De qualquer forma, o fato é
que, por ter comprado a versão original, eu pude desfrutar dela bem mais cedo
do que vocês. Mas como imagino toda publicidade que o livro, por esta hora,
estará tendo, decidi que os leitores do (con) talvez estivessem necessitando de
uma ajuda final no dilema “comprar ou não comprar, eis a questão”. Não se
preocupem, caros leitores, Sofia vem em vosso auxílio!
Vamos então analisar o
trabalho que John desenvolveu com a obra e ver se conseguimos fazer com que
você tome, por fim, sua decisão.
1.
O universo
John Green não é um escritor
do fantástico. Depois de 4 livros a solo e um em parceria, isto é algo que se
tornou mais ou menos óbvio. Talvez não por falta de competências (afinal, ele
escreveu uma pequena história intitulada Zombicorns,
que, apesar de não ser sobre unicórnios, é certamente sobre zumbis), mas
simplesmente por não ser esse o tipo de histórias que ele quer contar. Ele é o
autor, portanto, neste caso, é ele quem tem o poder de decisão.
Assim, ao ler Cidades de Papel, damos por nós num
mundo não tão diferente daquele em que vivemos. Os personagens – talvez assim
como você – são adolescentes de classe média, imersos na difícil realidade do highschool americano. Eles vivem em
Orlando, Florida, morada de inúmeros parques temáticos e aparentemente, de uns
subúrbios bem legais – e outros, nem tanto assim.
A realidade com que nos
deparamos é a nossa, aquela em que vivemos. Mas atenção, escolher este cenário
não significa que o autor não teve qualquer trabalho neste quesito. Afinal, se ele se decidiu pela nossa
realidade, ela tem que parecer, de fato, realista.
E nisso, John Green faz um trabalho excelente: as reações, situações, locais e
eventos todos me parecem credíveis e plausíveis, mesmo que, em alguns
casos, tenha sido necessário alguma explicação.
2.
A escrita e o enredo
A
escrita, para mim, é um dos pontos mais fortes de Green. Eu
me identifico imenso com a sua forma de escrever, repleta de descrições,
abundante em advérbios e sentimentos. A somar a tudo isso, sinto ainda que John atinge o equilíbrio ideal entre o tom
literário e o tom informal, próprio dos adolescentes que ele tanto gosta de
retratar. É esse mesmo tom informal que empresta à obra um sentido de humor bem
característico e original – a “marca” de John, se quisermos – e torna a leitura
mais simples e apelativa, para além de facilitar a identificação do leitor com
os personagens.
No que toca ao enredo, o
livro é incrível! Tirando alguns momentos mais parados, em que Q está tentando
decifrar as pistas deixadas por Margo, a
história mantém um ritmo acelerado e viciante, deixando sempre algum enigma
no ar, que, tal como Q, o leitor fica verdadeiramente obcecado em compreender –
sendo que, quando finalmente compreende, o resultado é bem diferente das suas
suposições. A verdade é que, se esse
enredo fosse uma festa, ele seria uma festa surpresa. E admitamos, que
leitor não gosta de uma boa surpresa?
Pontuação:
3.
Os personagens
Uma das coisas que, enquanto
autor, eu sinto que John tem uma grande
preocupação em fazer é em tornar os
personagens realistas e, ao mesmo tempo, memoráveis. Os personages são,
afinal, os atores da história, e ela é-nos transmitida através deles – o que só
é reforçado pelo romance ser escrito em primeira pessoa; neste caso, pelo ponto
de vista de Q. Em Cidades de Papel, temos
cinco personagens extremamente diferentes entre si, que passam um livro inteiro
imaginando-se erradamente. Quem são eles afinal?
Ben –
Ben é o melhor amigo de Q, e ele é… bem, ele
é bastante. Ele sempre tem uma
piada – por regra, relacionada com órgãos sexuais masculinos –; ele chama todas
– e sim, eu quero dizer todas – as
garotas de “honeybunny”, que em
português seria algo como “queridinha”, só que ainda mais enjoativo; ele sempre
come de forma revoltantemente desesperada; ele não aguenta não ir ao banheiro
por mais de meia hora; a maior ambição de finalista dele é ir ao baile formal…
O Ben é o Ben. E você, muito provavelmente, vai pensar que ele é idiota pelo
menos uma vez por página, mas no final, ele sempre está lá, apoiando aqueles de
quem gosta. E isso irá te fazer adorá-lo.
Radar –
Radar é o terceiro elemento do trio principal, e ele é o mais sensível e
sensato dos três, diria eu. Não necessariamente do gênero sentimental, mas é
ele quem melhor vê as outras pessoas.
Quando Q e Ben discutem, ele diz a Q que ele “sempre espera que as pessoas não
sejam quem elas são”. John também disse ter lhe dado o apelido de “Radar”
exatamente por ele saber melhor do que ninguém onde as outras pessoas “estão”.
Além disso, ele é obcecado com um site estilo-wikipedia, o que mostra o quanto
ele valoriza o conhecimento. Pessoalmente,
acho que os outros dois garotos deveriam seguir os passos dele, porque no
início do livro, ele é o único com namorada.
Margo –
Não é só para Q que a verdadeira Margo é um enigma. Sendo ela bastante popular,
toda a escola tem uma ideia romanticizada dela, e poucos – ou nenhum – se
importam o suficiente para tentar desconstruir essa imagem e descobrir a Margo
que se esconde por detrás dela. Essa Margo, porém, é uma pessoa apaixonada por
mistérios e fazer planos, e que se sente profundamente frustrada com a vida que
leva – ou se sente forçada a levar. Ela não é uma pessoa despida de medos, bem
pelo contrário. Enquanto todos acham que
ela está sendo ou a tão admirável heroína, ou uma menina egoísta e mimada, ela
está, no fundo, apenas tentando achar seu próprio caminho numa sociedade da
qual ela discorda.
Lacey – Para mim, a Lacey foi uma surpresa tão
grande quanto Margo. A primeira vez que ela é mencionada, ficamos com a
ideia de que ela é uma daquelas líderes de torcida obcecadas com a aparência,
fútil, que simplesmente não dá a mínima para os outros. Quando ela intervém
diretamente no enredo, porém, nós conhecemos uma Lacey sensata, verdadeiramente
afetada com o desaparecimento da melhor amiga, disposta a abandonar
praticamente tudo para tentar compreendê-la. Lacey faz uma outra coisa que nos
surpreende a todos, mas esse será um segredo que deixarei por descobrir (*piscadela*).
Q – Q,
o protagonista. Na minha opinião, todos os protagonistas de John têm algo em
comum – para além da inteligência –, que é uma espécie de seriedade que torna um
pouco mais difícil a tarefa de gostar deles, mas que também os torna mais
realistas. Diria que é até um jeito de os imaginarmos mais complexamente (*nova
piscadela*). Q não foge à regra: você provavelmente vai se sentir chateado com
ele por tomar certas decisões, ou fazer certas interpretações, ou não parar de
pensar naquela pista de Margo. Mas a verdade é que você também se vai
identificar com Quentin.
Quem
nunca idolatrou outra pessoa? Muitos de nós ainda o fazem. E quem sabe, talvez
seguir o Quentin nessa jornada seja exatamente aquilo que você precisa para
entender melhor o mundo à sua volta.
Pontuação:
4.
A temática
Ao longo da leitura, vamos
nos convencendo de que a história é sobre Margo, já que ela é o objetivo final
de Q, o seu sonho, o seu “milagre”. Convenhamos, o que Quentin mais faz durante
as 305 páginas de escrita é falar, estar e, sobretudo, pensar em Margo. Mas o
romance não é sobre Margo. Ele é sobre Q e a forma como ele vê Margo. Ele é sobre Q e a forma como ele vê Ben,
e Radar, e Lacey, e os seus pais, e todo o mundo à sua volta. Ele é sobre cada um de nós, e as nossas
visões únicas, completamente parciais, frequentemente imaginárias, daquilo que
nos rodeia. Assim, a visão que temos de algo diz mais sobre nós próprios
que sobre aquilo que estamos vendo: ela
funciona como um espelho que – em vez de nos permitir ver para dentro, à
semelhança das janelas – apenas reflete aquilo que nós próprios somos.
Inteligente, não é?
Eu sinto-me marcada por uma
frase que John repetidamente utiliza nos seus vídeos no canal dos vlogbrothers,
e que tem tudo a ver com sua necessidade de escrever Cidades de Papel: “imagine
os outros complexamente”. O que quer isso dizer?, você poderia perguntar.
Nós não imaginamos sempre o outro de forma complexa? Não, caro leitor, nós não
somos assim tão bondosos. Os estereótipos e os preconceitos, por exemplo,
mostram como temos dificuldade em imaginar o outro complexamente; em vê-lo como
um ser humano repleto de contradições e detalhes, tal como nós.
No
caso da obra, o processo é o contrário: Q não subvaloriza Margo, mas
sobrevaloriza-a. Ele idealiza Margo como mais do que uma
pessoa; como uma heroína intensamente fascinante, cuja única função é ser mais
e melhor do que todos os outros seres humanos. Contudo, ao fazer isso, Q está,
na verdade, desumanizando Margo, despindo-a de defeitos e medos que, tal como
qualquer pessoa, ela também possui – para além de tornar tanto mais difícil a
tarefa de descobrir quem ela realmente é. Assim, ao longo do livro, o leitor
acompanha Quentin na sua empreitada de ultrapassar essa sua visão falsa de
Margo e ver por trás do espelho.
“Que
coisa traiçoeira é acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa.”
Esse é o tema principal do
livro, o que não quer dizer que não se lide com outros igualmente importantes. Há uma meditação sobre a lenda do “self-made men”, com a história do
Dr. Jefferson Jefferson, que, não sendo doutor nenhum, acabou por ser conhecido
como tal depois de ter mudado seu primeiro nome para “Dr.”; há uma enorme
coleção de Papais Noéis negros, que questiona
nossa idealização das histórias, como a do Papai Noel; há a referência
frequente a Moby Dick, em que a
obsessão de Ahab pela monstruosa baleia branca esbate a linha entre a loucura e o heroísmo, fazendo-nos compará-lo a Q. E
depois há a metáfora das cordas, que
se podem quebrar de tal modo que conduzirão à morte da pessoa; há uma
interpretação do poema Canção de Mim
Mesmo, de Walt Whitman, que nos faz questionar se realmente todos os seres humanos estarão
interligados, tal como a erva, por um sistema interdependente de raízes,
podendo não só compreender-se um ao outro, como transformar-se um no outro; e, por fim, há a metáfora do veículo – que acaba por ser a mais acertada –, cujas
fendas que se abrem devido a mágoas e experiências falhadas são a nossa única
hipótese de olhar para fora de nós mesmos e para dentro do outro.
“Quero
dizer, sim, assim que o veículo quebra, o fim torna-se inevitável… Mas há todo
esse tempo entre as fendas começarem a abrir e nós finalmente nos
desmoronarmos. E é apenas nesse tempo que nos podemos ver uns aos outros,
porque vemos para fora de nós mesmos através das nossas fendas e para dentro
dos outros através das deles. Quando nos vimos um ao outro frente-a-frente? Não
foi até você ver por dentro das minhas fendas e eu ver por dentro das suas.”
Pontuação:
5.
Tópico Surpresa: As cidades de papel
Nós ouvimos Margo falar de
cidades de papel – ou da cidade de papel – muito antes de sabermos o verdadeiro
significado por trás da expressão. Para ela, no topo de um edifício imensamente
alto, com olhos fixos na Orlando que se
estendia por baixo dela, “cidade de papel” era a metáfora perfeita para
explicar o quanto ela achava todo aquele estilo de vida fútil e desnecessário.
E talvez se Q tivesse conseguido ver através das fendas, em vez de ver o seu
próprio reflexo, ele teria entendido o que ela realmente estava dizendo e interpretando de outra forma o
desaparecimento dela.
“Aqui
está o que não é bonito: daqui, não se consegue ver a ferrugem ou a pinta
lascada ou o que for, mas sabe-se o que a cidade realmente é. Consegue-se ver o
quão falsa ela é. Nem sequer é dura o suficiente para ser feita de plástico. É
uma cidade de papel.”
Mas à medida que o enredo
evolui, nós encontramos outro significado para a expressão: cidades de papel
são cidades inexistentes, marcadas no mapa para que os seus autores saibam quando
outra empresa os copiou desavergonhadamente. Mas o mais interessante é que, por
ver o local no mapa, acontece por vezes de alguém acabar por ir até lá e
construir algo, tornando-o real. A cidade de papel torna-se algo concreto.
Depois daquela citação de
Margo, não é de espantar, portanto, que as cidades de papel e o processo de as
tornar reais venha a desempenhar um papel importante no desenrolar da história.
É o título do livro, afinal. E reflete o tema central dele, também – neste
caso, a forma como imaginamos os locais à nossa volta. Por imaginarmos a cidade como real, eventualmente, é isso que ela se
tornará, já que alguém a tornará real. Na mesma medida, imaginar a outra pessoa
pode ser uma ferramenta imprecisa para conhecê-la, mas é a única que temos para
torná-la mais real e concreta aos nossos olhos.
Mais alguém quer argumentar
que John Green não passa de modinha?
Pontuação:
Conclusão
Como todas as obras de John
Green que já li, Cidades de Papel não
é o tipo de livro que se lê pela ação. É certo que a aventura existe – ela é fundamental
ao enredo que John escolheu. Mas o enredo em si pode ser visto como um pretexto
para a mensagem que o autor quer transmitir, e esse parece ser o caso aqui.
Quanto à sua decisão de
comprar ou não comprar, a resposta é simples. A obra tem muita carga simbólica
nas entrelinhas (e, muitas vezes, nas próprias linhas), o que requer tempo,
dedicação, concentração. De modo que, se está procurando uma leitura fácil, de
interpretação direta, o melhor é escolher outro romance. Porque se começar a
ler com o objetivo de se imergir de cabeça na história, sem fazer mais
perguntas e sem repensar suas próprias atitudes, você provavelmente vai achar
que Q é um adolescente chato e obcecado sem vida social.
Se,
por outro lado, você está disposto a deixar que o livro o force a questionar
atitudes e mentalidades, essa é a leitura certa para si. Até
é possível que você passe a olhar para o seu histórico amoroso com outros olhos
(*piscadela final*).
Pontuação final:
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