23 de set. de 2012

Capítulo 27

Your daddy is not a hero



Julia apertou os braços na cintura do namorado, deixando seu queixo pousar perto de seu pescoço e respirando calmamente seu perfume amadeirado. Sentindo a velha e conhecida corrente elétrica correr seu corpo, ela deixou um beijo delicado e molhado no pescoço de Nate, enquanto ele a envolvia delicadamente com aqueles braços que tantas vezes foram usados em luta. Mesmo com o arrepio costumeiro atingindo-os, seus corações batiam calmos, e eles estavam em paz. Uma paz temporária que se instalava apenas quando eles estavam juntos. E lá, no cantinho dela, estava a dor. Uma dor aguda e profunda, que lhes tomavam toda a energia e os destruíam pouco a pouco. Uma dor latente e dilacerante, que parecia apenas aumentar conforme os dias vinham chegando.
E era justamente e dor de pensar que... em breve, eles não sentiriam mais aquela paz.
Mas mesmo com tudo isso, eles tentavam ao máximo transformar os poucos dias que tinham nos melhores que já tiveram. Nate havia presenteado Julia com diversas coisas, como cartas, poemas, músicas, e alguns objetos materiais. Hoje, ele havia conseguido fazê-la rir várias vezes durante o passeio que fizeram pelo shopping. Nate, mesmo com tudo acontecendo, fazia palhaçadas e até havia arranjado briga com um cara que estava dando em cima de Julia na praça de alimentação. Só não lhe deu uns belos socos por que havia seguranças por perto.
Agora, eles estavam em frente à casa do rapaz, abraçando-se e deixando-se envolver pela energia cativante um do outro. Sentiam-se completos.
Levantando um pouco a cabeça, Julia buscou os lábios do rapaz, dando-lhe um beijo calmo. Nate retribuiu à altura, apertando a nuca da namorada com delicadeza, fazendo-a se sentir amada de verdade. Assim mesmo como ele queria demonstrar. Afinal, ele a amava. Muito.
Separaram-se devagarzinho, aproveitando o momento ao máximo. Ela deixou um sorriso brotar, como sempre fazia quando eles terminavam de se beijar daquela forma. Nate não agüentou e sorriu por ver o sorriso dela.
— Vou manter esse sorriso pra sempre na memória, cara — ele disse, passando a mão pelo seu rosto. Ela sorriu novamente.
— Vou manter você inteiro pra sempre na memória, cara — ela respondeu, ainda rindo, e ele riu novamente. — Te amo.
— Não começa a falar assim que eu vou pra Inglaterra também na bagagem do avião — ele fez piada, rindo. — Ou melhor: te pego, te seqüestro e nós nos mudamos para a Arábia. Vamos viver da criação de lhamas e teremos quatorze filhos.
Julia não se agüentou e gargalhou forte.
— Não acho que criem lhamas na Arábia — ela disse, ainda rindo. — E quatorze filhos? Você acha que eu sou uma máquina de fazer menino ou o quê?
— Ué, você queria menos? — Nate ergueu uma sobrancelha, fingindo que falava sério. — De verdade, amor, a gente vai ter um pequeno time de filhos aqui ou na Arábia.
— Nem em sonho — Julia o encarou.
Nate riu, fazendo-a rir também e puxá-lo para outro beijo. Até que repente, eles ouviram um solo de guitarra bem específico e forte ao fundo, o que os fez se separar por alguns momentos.
— Ouviu isso? — ela disse.
— Tá vindo da casa do Luke, não esquenta, ele vive tocando alto mesmo. — Nate alcançou os lábios da namorada outra vez, juntando suas línguas em outro beijo.
Então, junto ao solo, veio o solo de bateria. Eles decidiram não ligar e continuar o que haviam começado, mas o início daquela música desconhecida os fez se separar de verdade. Mas dessa vez Nate não tentou continuar o beijo.
Ele estava tão surpreso quando Julia.



I've hoped for change, it gets better every day. I've hoped for change, but still I feel the same.
There's something wrong, ‘cause everybody knows that we can do this on our own.
And we've got everybody singing… Whoa… whoa… whoa… whoa…




— Essa voz é da...
— Soph? — Nate continuou a fala da namorada, enquanto eles continuavam a escutar a música.
Assim que eles disseram isso, ocorreu o último “whoa”, e a música parou. Alguém havia errado na guitarra. Então se pôde ouvir a briga aumentada pelo microfone.
“Meu Deus, sua retardada, você errou de novo!”
“Cala a boca, imbecil. Já disse que guitarra não é o meu instrumento. Se você fizesse seu solo certinho eu não tinha errado!”
“Claro que tinha, você sempre erra!”
“Eu acabei de escrever esta droga, você que está errando, boboca!”
“Ah, claro. E eu acabei de errar a base mais simples do mundo agora.”
Nate e Julia riram, enquanto eles faziam uma pequena pausa. Entreolharam-se.
— Por que será que pararam? — ela perguntou, ainda deixando as risadas saírem.
“Cala a merda da boca você, Dan! Ninguém te pediu opinião!” — a voz feminina respondeu a pergunta dela. Dan devia ter os feito parar de discutir perto do microfone, feito alguma piada, e então Sophie o mandou calar a boca.
Sem dizer mais nada e ainda escutando Luke e Sophie xingarem-se mutuamente, Nate agarrou a mão da namorada e a guiou até a garagem da casa ao lado. Abriu o portão sem nenhuma cerimônia, fazendo com que as duas pessoas ali parassem de discutir e os olhasse com surpresa.
— Na na na na na singing... Whoa! Whoa! Whoa! Whoa! — Nate cantou, fazendo sua dancinha cômica enquanto Sophie suspirava. — Meu! Essa música dá dinheiro!
Julia e Dan riram.
— Você fez o Whoa parecer algo repetitivo e sem graça, então, não. — Sophie revirou os olhos.
— Mas sério — Julia se manifestou. — O que é isso? Vocês, cantando em bandinha?
— E o que diabos você está fazendo com a minha guitarra, mesmo? — Nate disse também, apontando para Sophie.
— A Whoa no teclado não ficou maneira, precisávamos de outra linha para a guitarra — Sophie. — Então eu peguei sua guitarra e fiz a linha.
— “Fiz a linha”, ela disse — Luke imitou a voz de Sophie. — Fez nada! Só sabe errar!
— Fala merda de novo e eu juro que enfio esse microfone na tua cara — ela o encarou, bufando de raiva.
Luke abriu a boca para retrucar, mas Dan se meteu:
— Se vocês começarem a se xingar mais uma vez, os dois vão apanhar — ele disse. — Tudo bem que é bonitinho no começo, mas depois de uma hora realmente dá muita raiva. Então calem a boquinha, ok, bebês?
— Ninguém respondeu minha pergunta — Julia bufou e Nate lhe deu um beijo na bochecha, segurando sua cintura. — Vocês fizeram bandinha? O que aconteceu?
— Luke concertou minha bateria, Red Soph apareceu, ela teve a ideia de Whoa, cantamos Let This Go, compomos Whoa, e decidimos cogitar a ideia de refazer a Paramore — Dan disse tudo de uma vez, fazendo um batuque em sua bateria novamente. — Depois de falar com o militarzinho vulgo Nathan, é claro.
— Refazer a Paramore? — Nate disse, rindo. — Mano...
— Isso é incrível! — Julia exclamou. — Filhos de uma mãe, por que não tiveram essa ideia antes, quando eu não tinha dias contados aqui?
— Você ainda pode tocar com a gente por enquanto, Juzy — Luke disse. — O baixo do meu pai tá na sala. Vamos tentar?
— Vamos, agora! — Julia praticamente gritou, fazendo com que todos rissem.
— E você, Srta. Williams Farro — Nate disse, virando-se para a irmã —, devolva minha guitarra.
Sophie tirou a correia dos ombros e entrego ao irmão, dando um jeito de não dar interferência no microfone que usava.
Não demorou quase nada e Julia também já estava equipada com o baixo do pai de Luke. Após eles mostrarem a Whoa por completo, Nate acrescentou mais um trecho a música e um solo de guitarra quase no fim, utilizando outra espécie de freqüência de equalização. Algo mais rocker. E realmente ficou legal.
Com um guitarrista pouco mais competente e uma linha de baixo, não é necessário ressaltar que a Nova Paramore estava completa.
Pena que por pouco tempo.



[...]



O lugar ficava um tanto longe da cidade. Só se via a estrada e mata a um raio de vários quilômetros, e não dava para chegar ali facilmente. O verão, mesmo estando no fim, estava a todo vapor e o sol queimava no céu, fazendo com que a garota colocasse as mãos sobre os olhos, sentindo-os cegar momentaneamente à luz solar fortíssima.
Pedindo para o taxista esperar ela voltar, olhou para o lugar à sua frente. Ela soava frio. Seu coração parecia que ia sair pela boca, de tão apressado e desesperado que batia. Sua respiração estava vacilante. Ela não tinha medido, mas tinha certeza de que sua pressão arterial havia baixado consideravelmente. Danna estava para ter um ataque nervoso.
Não, isso não estava certo. Mas só faltava um dia para que ela fosse despejada. Tentou a todo custo comparecer a este lugar no dia anterior, mas coragem lhe faltara. Agora ela só tinha duas opções de escolha para fazer: dar meia volta, entrar no táxi e passar a noite dormindo na rua, ou... Entrar e fazer o que deveria fazer.
Não soube como, mas ela moveu seus pés para dentro do grande lugar, que era divido em vários e vários pavilhões, todos pintados em diferentes tons de verde. Antes passou pelo estacionamento. Era enorme.
Se viu perdida a tantas distrações. Cores, pessoas, poeira, mais pavilhões. Não havia pensado no que faria depois que chegasse por lá.
Até que encontrou o que deduziu ser um lugar de atendimento aos que não trabalhavam ou estudavam por lá. E realmente era. Após dizer com quem precisava falar, o rapaz que estava neste lugar perguntou para ela qual era seu nome, pedindo-lhe um documento. Seus lábios quase se dobraram formando a palavra “Faith”, mas ela pigarreou e se preparou para dizer seu nome verdadeiro, com um bocado de má vontade. “Rice”, disse ela. “Danna Elizabeth Rice.”
O rapaz verificou seu documento e pediu para ela esperar. Após alguns demorados minutos que se arrastaram, ele retornou, pedindo para ela que o acompanhasse.
Sentindo as pernas bambearem mais do que tudo e tropeçando mais de uma vez enquanto andava, ela seguia o rapaz em passos rápidos em meio a tantos pavilhões. Entendeu então por que ele havia demorado tão consideravelmente. O lugar para onde ele a levara era o último dos pavilhões, onde estavam os escritórios destinados apenas aos superiores do lugar. Oh, Danna sabia que quem ela procurava era um superior. Um superior bem famoso, até. Danna sabia muito bem quem ele era e o que fazia, afinal, desde que completou treze anos, pesquisava tudo o que podia sobre a vida dele. Sim, Danna sabia que ele era um superior naquele lugarComo sabia.
E ela realmente não soube como conseguiu se manter de pé quando o homem a levou para dentro do pavilhão um pouco mais sofisticado e a parou em frente à sala dele. Suas pernas falharam de verdade. Suas mãos soavam tanto que ela as mantinha junto à calça, limpando-as o máximo que conseguia. Até mesmo seu olhar estava... profundo. Cheio de todos os tipos de emoções.
Ansiedade, culpa, medo, tristeza, e... até mesmo realização.
Por que afinal, ela querendo ou não... estar ali em frente àquela porta, era o que ela vinha querendo fazer desde que tomara consciência da vida. Como não sabia chamar Jenna de mãe... Tudo o que ela queria era ter alguém para chamar de pai. Era uma pena que isso não era possível.
E seu encontro com seu pai seria único, e baseado em sua má — certo, péssima — situação financeira.
O rapaz que a encaminhara para lá lentamente abriu a porta, revelando um homem perfeitamente fardado e bonito, de meia idade, que já mostrava alguns traços da idade, como o pouco grisalho nos cabelos castanhos escuros. Seus profundos olhos chocolates — exatamente como os de Danna — estavam um tanto atordoados e sua boca entreaberta, o que apenas demonstrava mais ainda sua surpresa.
Danna sentiu-se ficar tonta e lutou para manter-se em pé, enquanto o rapaz que a seguira até lá se virou para o provável chefe e perguntou:
— General Farro? O Senhor está bem?
Josh limpou a garganta, ainda sem tirar os olhos de Danna, e fez um gesto com a mão para o rapaz.
— Estou. Pode voltar ao trabalho, deixe que eu fale com a garota — ele passou a mão pelos cabelos, suspirando.
— Sim Senhor, General — disse o rapaz, ausentando-se no mesmo momento.
Quando a porta anunciou que os dois estavam a sós, Danna olhou nos olhos dele. Ele ainda parecia atordoado pela presença dela ali. Também pudera.
Quem não estaria atordoado ao ver pela primeira vez sua filha bastarda depois de vinte e um anos, afinal?
— Deve... — ela começou, tentando se manter firme. Era isso. Pegar o dinheiro e acabar logo com aquilo. — Deve saber quem sou eu.
— Sei — foi o que Josh respondeu, um tanto seco.
— Ok — ela suspirou e se levou até a cadeira em frente à mesa de Josh, mesmo sem ele lhe dar autorização.
— Onde está sua mãe? — ele perguntou, e Danna percebeu que sua voz estava um tanto sombria.
— Saí de casa quando completei dezoito. Então não tive mais notícias dela. — Ela tentava controlar suas emoções. Passou a encarar os próprios dedos.
— Saiu? — ela notou que ele estava confuso. — Achei que estivesse cursando Arte na Columbia. Tenho mandado dinheiro para a sua faculdade.
Danna deu um sorriso sarcástico. Ela geralmente não sorria, mas achou apropriado para o momento. E segundo ela, um sorriso sarcástico, irônico ou debochado, nunca é um verdadeiro sorriso.
— Parece que ela te enganou outra vez — disse, esboçando sua revolta e frieza natural. Josh parecia indignado. — Não se chateie. Ela faz isso com todo mundo.
Josh não respondeu. Na verdade, estava realmente surpreso e perturbado em ver Danna ali. Não sabia o que ela queria, por que estava ali. E ainda mais agora, ao saber que ela não estava num campus em Nova York, feliz, como Jenna o relatava nas poucas conversas por email ou cartas que tinham.
— Bem... você deve estar se perguntando o porquê de eu estar aqui — Danna tentou manter sua voz firme. — Eu serei direta ao ponto, então. — Ela olhou para ele, e interpretou seu silêncio como um sinal para continuar. Procurou palavras para dizer o que deveria. — Mas antes de tudo, eu... eu quero dizer que eu realmente não gostaria de estar aqui. É meu último recurso. Relutei muito em vir pra cá, falar com você, sobre algo assim... Eu havia prometido a mim mesma que jamais tentaria te encontrar, mas essa é uma situação de... emergência total. Ou eu vinha aqui e falava com você, ou eu voltava para a casa da Jenna. E isso está completamente fora de questão. — Ela disse rapidamente e abaixou a cabeça, fazendo uma pequena pausa. Josh, mais uma vez, silenciou, fazendo-a se sentir com liberdade para prosseguir. Arranjou coragem e continuou: — Eu saí de casa, há três anos atrás, na esperança de viver da única coisa que eu sabia realmente fazer, que é fotografar. Eu havia economizado quase cinco anos para comprar minha câmera profissional, e eu fotografava tudo o que eu gostava, ou achava inspirador. Havia feito um curso no colégio quando era nova, e realmente peguei gosto pela câmera. Então eu saí de casa imaginando meu sonho. Acontece que não deu nada certo. Passei os últimos três anos de cá para lá, já morei em Nova York, Seattle, e São Francisco, e então vim para cá, seis meses atrás. E... agora... minha câmera quebrou. — Ela suspirou fraco, tentando controlar suas emoções que queriam sair pelos seus olhos. Sabia que omitira a parte em que ela quase se matou, ou os cortes, e até mesmo a droga. Mas não podia ser fraca ali, só por que estava falando com ele. Não podia. — Ninguém quer comprar as fotos que já tenho. Sem câmera, não tenho de onde tirar meu sustento. Estou morando em uma pensão, mas como estou com o aluguel atrasado há dois meses, a Senhora que toma conta da pensão me deu um prazo de duas semanas pra eu pagar. E esse prazo acaba amanhã. De modo que sem câmera e sem ter de onde tirar dinheiro, pelo menos legalmente, eu... não tive escolha a não ser ir aqui... para te pedir... um empréstimo, pode se dizer. — Ela levantou o rosto para encará-lo, mostrando confiança. Já era humilhante o suficiente estar ali pedindo dinheiro para o pai que nunca vira. Se sentia mal por ter de contar partes de sua vida particularmente ruim para ele, explicando o motivo de estar ali. Mesmo assim, precisava-se se manter forte e confiante. — Enfim, só me empresta uma quantia que eu prometo que você nunca mais vai me ver. Quando eu conseguir o dinheiro para ressarcir, eu mando pelo correio, ou peço para alguém vir te entregar.
Josh suspirou longamente, passando a mão pelo rosto perfeitamente barbeado. Sem dizer nada, passou as mãos por uma gaveta de sua mesa de trabalho e retirou um talão de cheques. Escreveu nele por um quarto de minuto.
— Não quero que me pague — ele disse, enquanto escrevia. Danna abriu a boca para falar, mas foi interrompida. — Não adianta argumentar, eu insisto. Achei realmente que você estivesse feliz, em NY, cursando o quarto ano da faculdade. Vou cortar a pensão que envio à sua mãe.
— Faça isso. — Ela mordeu o lábio inferior, olhando para baixo.
Ao menos Jenna se ferraria com tudo isso.
— Também quero que você compre um apartamento só seu e tente arranjar um emprego fixo. Estude, se necessário. Faça um curso, compre uma, duas câmeras melhores. Não quero que desista do seu sonho. — Ele finalmente entregou o cheque à Danna. Ela teve de se esforçar para não desmaiar, vendo a quantia enorme de setenta mil dólares escritas no pedaço de papel.
— Eu... Não, é dinheiro demais! Eu só preciso de algum dinheiro para conseguir...
— Danna — ela sentiu-se estremecer completamente ao ouvir seu nome da boca dele, esboçando tamanha autoridade. Ninguém jamais havia se referido a ela daquela forma. Teve de se calar. — Escute, esse dinheiro é seu, e não existe um argumento que me faça aceitar a devolução, certo?
— Mas eu...
— Isso não é metade do que eu te devo — ele a interrompeu, e Danna podia notar que ele jamais deixava a face dura e severa de um militar. De uma forma completamente esquisita, isso lhe dava uma mistura de amedrontamento com puro respeito e até mesmo... devotamento.
— Não posso aceitar... — insistiu ela, encarando o cheque à sua frente.
— Já aceitou — Josh já não parecia mais assustado ou surpreso por vê-la. Agora parecia um verdadeiro líder falando. Havia uma confiança indescritível em sua voz. Talvez por isso ele tenha sido General em tão pouco tempo, pensou a jovem.
Notou também que o General Joshua Farro não aceitaria objeções. Era isso e era isso. Ele não discutia suas decisões. Apenas as tomava. Cabia as pessoas segui-las e pronto.
— Certo — concordou, por fim. — Muito obrigada, então.
Então ela o viu dando um pequeno, bem pequeno mesmo, sorriso. Ele assentiu com a cabeça, para depois dar espaço a uma expressão mais serena. Não tão serena como ela vira nas fotos de adolescência, mas também não tão dura quanto a de um General renomeado que havia lutado na guerra, anos antes.
— Não é necessário agradecer — ele deixou um suspiro escapar. — Sinto muito por não ter acompanhado seu crescimento ou por sua mãe não ter te educado como dizia que o fazia. Também não é minha intenção te comprar com isso, jamais será. Eu realmente acho que você merece, por ter enfrentado o mundo sozinha tão cedo. — Ele fez uma pequena pausa, e Danna o encarou novamente, completamente confusa. — Você se tornou uma bela jovem.
Danna abaixou a cabeça, quase sentindo as lágrimas virem. Sua garganta se fechou, e ela sentiu os olhos arderem. Mal conseguia se controlar.
A questão é que ela estava completamente tocada. Jamais imaginaria que em sua conversa com Josh, ele seria tão... atencioso, insistente, até mesmo... protetor, ela arriscava dizer. Poderia não ser verdade, mas ele parecia se importar realmente com ela. Danna sempre soubera que sua mãe não lhe deixava saber nada sobre o pai, exceto a parte em que ele a havia deixado por causa de Danna e ela era um empecilho em sua vida. Uma pedra em seu caminho. Uma inútil que não servia para nada. Um peso.
Aparentemente, Josh não acreditava naquilo. Não acreditava no que ela mesma acreditava. Ele acabara de lhe dar uma quantia em dinheiro enorme! Danna sabia que ele tinha ótima situação financeira, mas também tinha noção de que ele não conseguiria tanto assim facilmente. Provavelmente enfrentaria uma boa burocracia em seu banco.
Oras, ela devia assumir! Estava emocionada com tal fato. Não conseguia se lembrar da última vez que recebera afeto, uma palavra realmente amiga. Nunca em sua vida sentira vontade de chorar por emoção daquela forma. Chorara muito por dor, raiva, angústia, culpa, ódio... mas nunca emoção. Jamais.
Dobrou o cheque e o enfiou na tradicional bolsa de lado, levantando-se. Murmurou um sentido “obrigada”, seguindo em direção a porta. Deu dois passos e parou de repente. Não sabia por que estava fazendo aquilo.
Mas talvez fosse sua última oportunidade.
Por isso, ela olhou no fundo dos olhos de Josh, sentindo que as lágrimas não tardariam a sair de seus próprios, e disse baixinho:
— Posso... te dizer uma última coisa que eu tenho esperado minha vida inteira para dizer? Uma coisa que eu tenho ensaiado para te falar desde os... sei lá, doze anos? — sua voz já havia aumentado meio tom. Josh a olhou silencioso novamente, o que ela interpretou como um sinal para continuar. Sentindo a primeira lágrima escorrer pela bochecha, ela recomeçou: — Obrigada. — Fez uma pequena pausa. — Obrigada, de verdade. Por que mesmo indiferente, mesmo distante, eu sei que... tem algo em você que passou para mim e me fez... não ser igual à ela. — As lágrimas já saíam livremente de seus olhos. — Eu a odeio, Joshua. Minha vida inteira foi um verdadeiro inferno por conta dela. Eu via as crianças brincando com as suas mães normais e amorosas e... o que me fez não enlouquecer de verdade foi saber que você estava em algum lugar e se importava, mesmo que um pouquinho comigo. Me desculpa por ter te trazido tanto problema, que eu sei que trouxe. Me desculpa por fazer tanta coisa errada e te fazer ter de aturá-la também. Eu te preso pra caramba, de verdade, pelo simples fato de você não ter se deixado cair na lábia daquela cobra. Jamais te culpei e jamais vou te culpar pelas coisas ruins pelas quais eu já passei. Por que se você nunca esteve lá para que eu pudesse te chamar de pai... Tampouco Jenna estava perto para eu chamá-la de mãe. — Danna terminou tudo sentindo as lágrimas caírem intensamente de seus olhos. Ela havia dito absolutamente tudo o que queria naquela hora, sentindo-se como se tivesse tirado um peso enorme das costas. Imaginou milhares de vezes na mente o dia em que diria tudo isso para ele, mas pensava sempre que jamais isso iria acontecer. E lá estava ela, chorando como uma criança, e falando todas aquelas coisas para o único homem no mundo inteiro por qual nutria respeito.
Porém, teve de interromper seu choro e dar a face uma expressão de puro medo quando escutou ao fundo a voz feminina, porém absolutamente grave, da qual ela tinha quase certeza que já havia escutado. A voz parecia assustada e raivosa, quando disse, nitidamente:
— Pai?!
Ao virar o rosto para a porta, Danna teve certeza de quem era a dona da voz. Já a havia visto em alguns vídeos da banda de Josh e diversas fotos. Ela sabia quem ela era, com toda a certeza.
E tendo certeza de que aqueles cabelos flamejantes eram de Hayley, ela apenas sentiu o medo e a culpa percorrer por todo o seu corpo e transbordar nos olhos.

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