15 de out. de 2012

Capítulo 57

Do you remember that?



Incrível, em sua definição, algo que não merece crédito de tão inacreditável. Um adjetivo restritivo simples, de sinônimos como excessivo, extraordinário, inédito e insólito.
Refletindo sobre o significado da palavra, é imprescindível que a atribuamos a certas ocasiões, pessoas ou sentimentos. Para Julia, incrível era a forma como sua vida dera tantas reviravoltas para no fim, retornar ao ponto de onde ela surgira. Incrível era a maneira de como o tempo havia passado, tão impiedoso, e agora parecia não ter a mínima importância. Incrível era pensar que se lhe dissessem, quatro horas atrás, que ela estaria tomando sorvete enquanto ria e se apaixonava cada vez mais por Nate pouco depois de terem feito amor, ela não acreditaria. Incrível era o jeito que seu corpo e sua alma estavam leves, limpos e apaixonados. Incrível era o amor. O amor que nasce, cresce e prevalece, mesmo depois de tantas tentativas de perecimento. Incrível era amar. Sentir-se dependente e disposto a passar o resto da vida ao lado de uma única pessoa.
Incrível era mesmo o que sua definição constava. Algo surreal de tão extraordinário.
Para Julia... Nate era incrível.

— No que está pensando? — perguntou ele de repente, seus globos castanhos brilhando ferventemente em sua direção, com um ar de inocência e leveza maravilhosamente único. Julia sorriu, retirando a colher de sorvete de sua boca.
— No que aconteceu — disse ela sem rodeios, fazendo com que Nate sorrisse também. — Não só o que aconteceu hoje. No que aconteceu... na minha vida, sabe? Em tudo. Em como tudo se ajeitou no momento em que você apareceu e me beijou essa tarde.
Sem cessar seu sorriso, ele pegou a colher da mão dela e colocou um pouco de sorvete na própria boca. Quanto tempo havia que ele não tomava sorvete com uma garota? Bem, se sua sobrinha Anna não pudesse ser considerada como uma opção, a última vez que ele fizera algo parecido fora com a própria Julia, muito tempo atrás.
Mas ultimamente esses momentos pareciam bem mais vivos e menos distantes.
— Eu entendo — disse ele, após engolir. — Minha vida deu muitas voltas também. Houveram alguns momentos em que eu realmente achei que a gente não iria se ver de novo. Eu encarava a tatuagem e... simplesmente queria desistir. Na verdade, eu já estava quase desistindo quando vi você aquele dia — apesar das revelações, o semblante de Nate continuava leve. Julia aliviara seu sorriso, mas não o cessara. — Aquele abraço mudou tudo. Assumi pra mim mesmo depois de muito tempo que ainda te amava. Não consegui mais fazer nada, e... quando vi, já estava aqui. Eu não tinha um plano quando peguei a moto e saí de casa. Apenas precisava te ver.
Os olhos de Julia não puderam deixar de brilhar.
— Você veio de moto?
Nate riu. Mesmo depois de toda a revelação, Julia brilhara seus olhos e ficara encantada por que ele comentara que tinha uma moto. O pequeno Henry tinha mesmo razão, ela era uma menina diferente.
— Sim, eu comprei a primeira moto assim que fiz dezoito anos — disse ele, já sabendo que ela lhe faria uma série de perguntas sobre isso. — Desenvolvi uma pequena paixão por motocicletas assim que adquiri idade para pilotar uma. Adivinha por quê.
Julia riu, já sabendo a resposta. Nate sabia melhor do que ninguém que ela simplesmente amava motos, assim como o resto de sua família, com a exceção de Alana. Leonard — ou Leon, como ele gostava de ser chamado agora — ganhara uma de aniversário e a pilotava para todo canto. E, claro, ainda havia Jason. Mas Julia preferia deixar de fora tudo que o envolvesse.
— Hum — murmurou ela, com a boca cheia de sorvete. — Acho que foi por minha causa.
— Acertou — Nate sorriu. — Acho que você notaria isso assim que me visse chamando minha moto de Leslie.
Isso fez Julia gargalhar e querer matar Nate de beijos ao mesmo tempo. Leslie era seu nome do meio, e claro que Nate sabia disso.
— Leslie! — ecoou ela, sem parar de rir, tendo a impressão de que Nate ficara corado. Apenas impressão.
— Pra você ver o tanto que te amo — ele deu de ombros, fazendo com que a crise de riso dela ficasse ainda mais aguda. — Acho justo te levar para dar uma volta na Leslie, então, certo? Aproveito e te levo para jantar.
Lentamente, a crise de riso de Julia foi se acalmando, até que seus olhos verdes e brilhantes parassem no rosto tão bem feito e mais maduro de Nate. Céus, como ele estava maravilhoso. Satisfazia Julia saber que ela já havia beijado cada pedacinho daquele rosto perfeito.
— Mas hoje é dia de jogo do Chelsea — disse ela, encolhendo os ombros. — Henry está me lembrando desse jogo já tem um mês. E Sophie é muito boba e não gosta de ver futebol com o menino.
Nate suspirou.
— Por que Soph não fala com Luke? Aposto que o pai dele adoraria ver o jogo do Chelsea acompanhado do filho — disse ele, fazendo Julia arregalar os olhos.
— Você sabe — murmurou ela, muito baixo.
Nate assentiu com a cabeça e expirou todo o ar que tinha nos pulmões. Não achava nada mais errado do que Sophie escondendo Henry de Luke. Seu próprio pai.
— Não tem como não saber — disse ele, com um sorriso sem vontade pairando nos lábios. — O moleque é a cara do pai.
Julia sorriu, assentindo com a cabeça. Nate fora suficientemente esperto para ligar os pontos, mas a verdade é que a maioria das pessoas simplesmente não pensava sobre isso. Para todo mundo, sempre seria mais fácil acreditar que uma garota imatura engravidara de um cara e fora deixada sozinha, do que considerar a hipótese de que uma garota engravidara do rapaz que amava, fugira para outra cidade e mentira sobre a idade do menino para que ninguém descobrisse nada. Olhando por esse lado, talvez até mesmo Julia acreditasse na outra história.
— Mesmo assim — disse ela —, enquanto o Luke não descobre, eu tenho que ser o pai. — Julia fez piada e deu ombros, arrancando uma risada de Nate. Acabou sorrindo também. — Mas eu não me importo, é sério. Sou apaixonada por aquele pirralho, ele é mesmo como se fosse meu filho. Pode ter a ver o fato de eu ter o visto nascendo, ou ter ficado um ano inteiro sem dormir uma noite completa, ou ter visto ele dando o primeiro passo, ensinado ele a falar a primeira frase. Henry se tornou parte da minha vida, sabe? Quando eu tinha de viajar a trabalho, por exemplo, eu sempre levava presentinhos por que a saudade era tão grande que eu não podia ver um desenho animado em canto nenhum que me lembrava dele. E isso por que eu ligava três vezes por dia.
Nate riu, apontando para Julia com a ponta da colher.
— Bom saber — disse ele, assentindo para o próprio argumento. — Muito bom saber que você vai ser uma ótima mãe para os meus filhos.
Julia semicerrou os olhos, fingindo-se de irritada.
Seus filhos — disse ela em tom debochado, quase cuspindo. — Meus filhos. Eu farei todo o trabalho árduo, ora! Você não sabe o que sua irmã sofreu para dar à luz àquele menino. Eu desmaiei, Nate, só em ver o sangue.
— Mesmo assim, ainda serão meus filhos — Nate deu de ombros.
Julia sorriu debochadamente.
— Muito mais meus do que seus — disse ela, colocando mais sorvete na boca, super tranquilamente. — E eu escolherei os nomes e vou registrá-los com você.
— De jeito nenhum! — disse Nate, levantando um dos dedos. — O primeiro menino vai se chamar Joshua e você não vai contestar.
Julia abriu a boca para retrucar e apontou o dedo, mas reconsiderou e hesitou como se estivesse pensando.
— Gostei muito de Joshua — disse ela, acalmando-se. — Mas só por isso deixo que você escolha o nome do primeiro menino. Se não, sabe, você iria começar uma briga.
— Mas nós acabamos de voltar! — Nate argumentou, entoando a voz. — E você já quer brigar?
Julia sorriu, achando graça.
— Somos apressados, Nate, sempre fomos — disse ela, dando ombros. — Acabamos de voltar mas já estamos conversando sobre os nossos futuros filhos. Falando nisso, preciso ver se minha notícia foi publicada certinha no site.
Nate semicerrou os olhos, encarando Julia com uma imensa confusão.
— E a relação está...? — perguntou ele, ainda completamente atônito. Julia gargalhou, levantando-se para pegar o computador.
— Filhos me lembram de responsabilidade, responsabilidade me lembra de trabalho, e trabalho me lembra do site — disse ela tranquilamente, fazendo Nate rir e se levantar para ir até a sala, onde ela ligava seu notebook. Recostou-se na parede, maravilhado pela sua aparência mesmo quando esfregava o dedo sobre o mouse e mexia no cabelo levemente arrepiado, mas ainda assim, lindo. Para Nate, enquanto fazia uma tarefa simples como usar um computador, Julia conseguia ser a mulher mais atraente do mundo.
Céus, ele estava apaixonado demais. Sorriu, achando-se idiota, mas sentindo-se animado para a ideia que acabara de lhe ocorrer. Visualizou o relógio rapidamente, dando-se conta de que em seus cálculos, se corresse, até conseguiria algum tempo. Talvez o suficiente. Só precisava mandar uma mensagem de texto, por hora, e conseguiu fazê-lo em alguns segundos.
— Mas e aí — ele chamou a atenção dela —, você vai sair comigo essa noite?
Julia mexeu em sua franja novamente, fazendo-o sorrir de felicidade só por vê-la. Levantou-se da cadeira de onde estava sentada e caminhou lentamente na direção de Nate, pousando as mãos sobre seus ombros logo depois.
— Mas eu te expliquei que... — Ela não conseguiu terminar sua frase, pois logo qualquer barulho que ali era proferido foi impelido pelo grito agudo e contagioso de uma criança de cinco anos de idade que adentrara a própria casa. Julia se afastou lentamente de Nate, tendo plena consciência de que Sophie iria brigar com ela por violar a regra número um pós-Henry: nada de sexo dentro de casa.
Ops.
GO CHELSEA! — gritou Henry, mais do que animado, pulando até a sala de estar até ver que seu tio Nate estava em casa. Sorriu de orelha a orelha.
— Henry, pare de correr! — Julia escutou o grito de Sophie e sorriu, até vê-la adentrar a sala de estar e encontrar a mesma cena que seu filho estava vendo. O rosto de Sophie ganhou uma expressão notável de confusão. — Nate? Julia? Vocês... oh.
— Tio Nate! — gritou Henry, correndo até Nate, que sorriu e o pegou no colo, levantando-o no chão e chamando-o de pequeno Farro. Fez cócegas na barriga do sobrinho até que suas bochechas começassem a doer com as largas risadas que ecoavam pela sua garganta.
Sophie olhou para Julia, atônita, entendendo o que havia acontecido, mas confusa sobre como isso havia acontecido. Encarou-a com as sobrancelhas erguidas e sibilou um “como?”, mas isso apenas fez com que sua amiga abrisse um sorriso sapeca e feliz. Então a expressão surpresa de Sophie deu lugar à sua expressão de raiva, e fuzilando Julia com os olhos, ela sibilou um “vocês transaram aqui?!”.
Só recebeu um dar de ombros como resposta.
— Para! — Henry gritou entre suas risadas, já exausto. — Para, tio! Para, por favor!
Nate sorriu, finalmente parando de fazer cócegas no sobrinho, deixando-o respirar para se recuperar. Sophie continuava brigando com Julia com os olhos enquanto isso.
— Não faz mais isso! — gritou Henry, com a voz ainda oscilando. — Quando eu crescer, vou descontar, tio! Você vai ver!
Nate sorriu, fazendo que não com a cabeça.
— Vingança! Que coisa feia, pequeno Farro... muito, muito feia... — disse ele, deixando que o som de reprovação ecoasse.
— Coisa feia é o menino me conhecer a vida toda e não falar comigo quando chega — Julia disse, jogando uma indireta e ignorando Sophie. — Não é, Lucas? Muito legal. Muito legal mesmo.
Ela até tentou ignorar as desculpas do garoto, mas quando ele abraçou suas pernas e gritou a frase “eu te amo, tia Julia”, foi impossível não pegá-lo no colo para enchê-lo de beijos. Por acaso, fora aquela frase mesmo que Julia o ensinara a dizer, quando trocara sua fralda e o colocara no colo, depois de repeti-la um milhão de vezes para o garoto imitar. Já estava fazendo aquilo há mais de duas semanas, mas foi com um ano e cinco meses que ele disse, alto e em bom som a primeira frase completa de sua vida. “Eu te amo, tia Julia.”
É desnecessário dizer que ela chorou e quase sufocou o menino com o abraço que lhe deu.
— Tia, a mamãe comprou um monte de salgadinhos! — Henry disse ainda no colo de Julia, tomando o cuidado de arrumar a franja dela para não cair aos olhos. — Vamos assistir o jogo e aí o Chelsea vai ganhar e aí nós vamos comer tudo e ficar acordados até tarde e gritar muitooo! — disse ele sem pausas e erguendo os braços, fazendo com que Julia risse e gritasse também, para compartilhar da animação do menino.
— Deu guaraná a ele? — ela perguntou à Sophie, fazendo a amiga suspirar.
— Ele não parou de encher o saco — a ruiva encolheu os ombros. — Estava com sede e queria uma recompensa por ter entrado na creche.
— Foi muito massa — disse Henry, encarando Julia intensamente como se ela fosse sumir a qualquer momento. — Eu e a mamãe fomos na creche e aí a mulher perguntou por que eu queria estudar lá, e eu disse “por que a minha melhor amiga estuda aqui”, aí ela riu — Henry deixou-se rir, contagiando todo mundo em seguida. — Aí ela me pediu para fazer uma atividade que tava muito fácil e ela disse que eu era muito inteligente e ficou toda feliz quando eu li a historinha da aranha. Aí depois a mamãe assinou umas coisas e segunda eu começo a estudar! Quanto tempo falta para segunda? — mais uma vez, Henry apenas disse tudo sem pausas, dando apenas a ênfase a certas palavras. Julia sorriu.
— Falta pouco, mas parabéns! Eu já sabia que você era inteligente pra caramba — ela deu de ombros, colocando o menino no chão.
— Aí quando a gente tava voltando no táxi, eu e a mamãe, o tio Hector ligou e disse que eu podia ir ver o jogo do Chelsea lá com ele e a Anna! Você pode ir também, tia!
Julia ergueu as sobrancelhas, digerindo a notícia, e direcionou o olhar para Nate que carregava um sorriso sapeca nos lábios. Ah, sim. Agora tudo fazia sentido.
— É que, sabe, pequeno Farro — Nate se aproximou de Henry e pegou-o no colo —, eu estava pensando em levar sua tia Julia para jantar, já que você vai assistir futebol com o Hector e a Anna.
Henry franziu o cenho levemente, meio contrariado.
— Mas futebol sem a tia Julia não é a mesma coisa — disse ele, quase choramingando.
— Eu sei, mas... quero levá-la para um jantar meio romântico, sabe — Nate piscou um dos olhos, fazendo com que Julia desse uma risada abafada e encarasse Sophie com uma felicidade única irradiando de si mesma. Aquele olhar fez com que Sophie amolecesse completamente e confirmasse a verdade de que, mais cedo ou mais tarde, Julia voltaria para o que realmente a trouxera para Nashville.
— Oh, caramba! — Henry exclamou e abriu a boca, surpreso. — Você e a tia Julia são namorados?
Nate riu gostosamente e olhou para Julia, que abafava suas risadas com uma mão, completamente corada.
— Quase isso, sobrinho — Nate disse, sem cessar seu sorriso.
Henry revirou os olhos.
— “Quase isso” — ele repetiu as palavras do tio com desprezo. — Sempre me falam isso. Era a mesma coisa que todo mundo me dizia quando eu perguntava do tio Tarris.
Nate franziu o cenho, encarando o sobrinho.
— Quem é Tarris?
Julia riu, pegando Henry do colo de Nate e entregando-o a Sophie.
— Uma longa história que você saberá — disse ela, sinalizando com a mão para Sophie levar seu filho embora dali. Já conseguia ver o ciúme irradiando de Nate, mas na realidade isso apenas a deixava com mais vontade de rir.
— Na verdade, não é tão longa assim — Sophie interveio, com um sorriso sacana nos lábios. Virou-se para o filho confuso em seu colo. — Henry, que tal você ir arrumar as coisas para ir para a casa da Danna?
— Mas você só quer me tirar da sala pra conversar com eles, mamãe! — Henry argumentou, fazendo Sophie suspirar. Para um garoto de cinco anos, ele poderia ser um pouquinho menos esperto em relação a coisas como essas.
— Se você não for arrumar tudo, não vai a lugar nenhum — disse ela, firme, e Henry bufou, assentindo. Depois de colocado no chão, saiu da sala contrariado.
Sophie constatou que o filho não estava mais na sala antes de se virar para o irmão e a melhor amiga.
— Bando de cabeças ocas. Ao menos se preveniram? — perguntou ela, fuzilando-os com os olhos. Nate pareceu ter ficado com um pouco de medo, entretanto.
— Eu tomo a pílula, fica tranquilo — disse Julia, fazendo com que Nate respirasse fundo de alívio. — E qual é, Soph, você está parecendo...
Dane-se — disse ela, suspirando. — Olha, de verdade, eu sei o que aconteceu por causa desse relacionamento de vocês dois. Soube detalhadamente de toda a história de Tarris e de Mitchie também, Nate. Se vocês finalmente ficaram juntos, isso é ótimo, e eu estou superfeliz. Mas pelo amor de Deus, eu não quero mais saber que vocês violaram as regras dessa casa outra vez, ok? Eu amo vocês, mas se acontecer de novo, eu juro que faço picadinho de vocês e dou de comida para os cachorros. — Sophie disparou tudo e respirou fundo, encarando os rostos culpados à sua frente e sorrindo. Sua rotina envolvida por crianças a todo o momento estava fazendo dela uma daquelas mulheres que tratava todo mundo como crianças. — Me deem um abraço aqui, vamos.
Julia riu e Sophie passou o braço pelos pescoços do irmão e da melhor amiga, sentindo-se incrivelmente aliviada e feliz por eles. A risada contagiante de Julia demonstrara claramente o que ela estava sentindo naquele momento. Estava apaixonada novamente, pela mesma pessoa que sempre fora e sempre seria. Nate a apertou com um pouco mais de força, como se a agradecesse por vir à Nashville e trazer Julia de volta para ele. E, enquanto abraçava os dois melhores amigos que tinha na vida, Sophie teve a sensação de que tudo estava em seu lugar.



[...]



Luke estirou-se na cama, a cabeça latejando como se estivesse sendo acertada continuamente com pauladas. Passou a mão pelo rosto, e abafou um grito com um travesseiro. Droga de dia. Mesmo que ele quisesse desligar sua mente e apagar ali, sabia que ela ainda vagaria muito até ele finalmente conseguir dormir.
Por que ele não conseguia ser despreocupado com a vida como a maioria dos músicos que conhecia?
De verdade, que dia péssimo. Luke nunca precisara correr de ninguém por não ter cumprido com um contrato, e agora o estava fazendo com Brian Green, o empresário de uma banda que estava crescendo na mídia norte-americana há mais ou menos um ano. Até agora, Luke estava sendo o principal compositor dessa banda, mas subitamente perdera a inspiração e não conseguia compor nada. Nada! Isso nunca havia acontecido antes!
Ele passara o dia quase todo com o violão apoiado em sua coxa e o papel limpo em sua frente. Rabiscou tudo o que podia. Tentou encontrar uma letra qualquer — ele havia mesmo chegado ao ponto de querer compor qualquer coisa, e não algo que significasse para ele —, mas tudo o que ele começava a escrever parecia muito ruim. Tentou tocar alguma coisa, mas seus improvisos e suas melodias inventadas pareciam muito iguais às músicas que ele já compusera antes. Nada parecia novo. Nada parecia bom. Nada estava bom.
Isso estava começando a preocupá-lo. Tudo bem ter um bloqueio de inspiração por um ou dois dias, mas um mês inteiro? O que seria dele se não conseguisse mais escrever suas músicas? Luke podia ter seus outros afazeres, mas compor era o que o impedia de ficar louco. Seus sentimentos, seus ideais, suas sensações, todas eram descontadas nas melodias e nas letras, fossem elas fortes ou não. Por que agora ele não conseguia compor nada, mesmo que sua mente estivesse cheia e seu coração estivesse inundado de sentimentos?
Por causa dela, uma voz dentro de sua cabeça gritou. Luke sentiu a dor ficar mais forte e relaxou todos os seus músculos, sentindo sua garganta se fechar lentamente, formando um pequeno nó. Sentiu-se idiota e tentou se controlar. Ora, ele não iria chorar! Já não chorava há muito tempo! Tornara-se um homem feito, e não iria simplesmente chorar por que pela primeira vez na vida não dava conta de suas responsabilidades.
Foi aí que a mesma voz gritou em sua cabeça que não era por isso que sua garganta se fechava. Era por causa dela. Da mesma forma que tinha sido da última vez em que Luke chorou.
Vê-la era realmente terrível. Luke queria mais do que tudo na vida que ela saísse daquela empresa e fosse para outro lugar, qualquer outro lugar, desde que fosse para longe dele. Luke não aguentava olhar para aquele rosto que não havia mudado quase nada desde quando eles se despediram, no aeroporto John F. Kennedy, em Nova Iorque, seis anos atrás. Não aguentava vê-la encarando-o daquela maneira, como se ela se arrependesse de tudo o que tinha feito. Não aguentava saber que ela era sim uma ótima professora de piano, uma vez que as turmas dela eram as que mais se destacavam na escola. Não aguentava saber que ela era também uma boa mãe, afinal, superara todas as dificuldades de se criar um bebê sozinha e, segundo Dan, era completamente apaixonada pelo próprio filho. Não aguentava, em suma, ter de olhar para ela todo santo dia e perceber que todos os seus defeitos tão terríveis, em que ele tanto acreditava, simplesmente não apareciam, mesmo em suas piores discussões.
Tinha de tirá-la da vida dele definitivamente. Por que, subitamente, Luke teve certeza de que era isso — era ela — que estava causando seu bloqueio de inspiração. Teve certeza de que enquanto ela estivesse tão perto, Luke jamais conseguiria escrever nenhuma letra ou nenhuma melodia.
Por que ele queria esquecê-la. Mas nada deixava sua lembrança mais viva na cabeça dele do que a música.



[...]



— Eu era um pirralho idiota — Nate disse, rindo, e fazendo com que Julia risse também e limpasse o canto do olho, com cuidado para não estragar o rímel que passara. Nate já havia dito isso para ela, mas Julia estava impecavelmente linda com uma maquiagem que destacava seus olhos verdes e um vestido preto lhe dava toda a leveza e toda a sensualidade necessária para uma mulher.
— Você era o meu pirralho idiota — disse ela, retrucando, tomando um gole de vinho branco que o garçom levara há pouco tempo. Nate, de alguma forma, conseguira uma vaga em um dos melhores restaurantes da cidade, e em cima da hora. Como ele fizera essa proeza, Julia não sabia. Mas sabia que era por isso que Nate ligou para Sophie e pediu para que ela enrolasse-a.
Sinceramente, Julia era esperta demais para aqueles dois que achavam que podiam enganá-la. Mesmo assim, o jantar estava sendo ótimo. A única coisa que a agradava mais do que comida francesa, era a companhia de Nate.
— Mas é sério — ele continuou falando, fazendo com que Julia retirasse os olhos de seu corpo perfeito que estava ainda mais perfeito dentro daquele terno —, eu era mesmo uma criança. Acho que nunca fiquei tão irritado como fiquei naquele dia do acampamento e tal. Tinha decidido que iria tirar o fim de semana pra mim, mas... pra onde eu ia eu via você, era incrível. Eu estava morrendo de saudades.
Julia sorriu novamente, os olhos brilhando por saber da outra parte da história que Nate nunca a havia contado.
— Eu detestei aquele acampamento inteiro — disse ela, sem retirar o sorriso do rosto. — Não tinha contato com você e fiquei justamente na barraca da Stephy e da Jenny Stewart. Eu já detestava a Stephy, e na época, morria de ciúmes da Jenny — confessou ela, mordendo seu lábio inferior em seguida.
— Oh, Jennifer Stewart — Nate disse, passando os dedos pelo queixo barbeado. — Eu acho que ela se casou. Não sei, tem muito tempo que não a vejo.
— Jenny era uma ótima pessoa — disse Julia. — Mas eu não tive mais notícias dela desde que Sophie foi para a Inglaterra. Tudo que soube era que Max a traiu com uma ex.
Nate assentiu.
— Eles eram só adolescentes — ele deu de ombros e tomou um pouco de seu vinho. — Mas eu ainda tenho contato com o Max. Ele faz parte de uma empresa de criação de games e ganha muito mais dinheiro do que eu, pelo que sei.
Julia gargalhou.
— Eu sempre soube que essa história de ser militar não ia dar certo — deu de ombros, brincando com Nate, que deu uma risada cínica como se tivesse achado alguma graça.
— Pelo menos eu trabalho pesado — disse ele. — Pode ver. Daqui a dez anos, Max vai estar gordo por que passa o dia inteiro na frente de um computador, e eu estarei todo gostoso por que vou passar o dia inteiro trabalhando feito um homem.
Julia não conseguiu conter a gargalhada que ecoou de sua garganta. O resto do restaurante devia estar todo encarando aquele casal de jovens escandaloso que ria sem parar, já que o lugar era extremamente calmo. Todo decorado em tons marfim, as mesas eram delicadamente separadas umas das outras, os garçons andavam com uma elegância imaculável, e a música calma e envolvente tocava ao fundo tranquilamente.
— Você já está em que posto militar? — perguntou ela, finalmente se acalmando.
— Sou cadete — disse ele, meio orgulhoso de si mesmo. — Na minha idade, o meu pai já era bem mais, mas tem que se levar em conta de que ele esteve uma guerra e, atualmente, a América está em momento de paz.
— Ainda bem — Julia aliviou seu sorriso com um suspiro. — Não aguentaria passar pelo que sua mãe passou. Acho que morreria se você fosse a uma guerra.
Nate segurou as mãos dela delicadamente, deixando um beijo em cada uma delas.
— Não sou capaz de te deixar — disse ele, encarando-a com seus globos castanhos chocolates brilhando como o sol. — Nunca mais.
Julia sorriu, sentindo-se corar levemente, e inclinou-se para deixar um selinho em seus lábios. Era incrível a maneira em que toda vez em que seus lábios se tocavam, todo o medo e tudo de ruim simplesmente desaparecia. Ela poderia ficar a vida inteira beijando-o, se pudesse.
Quando se separaram, ambos levavam um sorriso idiota no rosto.
— Naquele dia — Nate começou —, quando você estava no acampamento, eu... já sabia que te amava, sabe? Mas tinha medo de dizer. Minhas mãos suavam, meu coração ficava maluco dentro do peito, e eu sentia como se quando dissesse isso a você, tudo o que nós tínhamos acabaria. Estava com medo de você me achar um pirralho idiota, que eu realmente era, e me largar por estar... apaixonadinho demais.
Julia riu.
— Que ridículo — disse ela, fazendo que não com a cabeça.
— Eu era só uma criança — disse ele, suspirando, sorrindo também. — Mas não consegui parar de pensar naquilo. Decidi lutar, mas assim que coloquei as luvas, me lembrei de quando beijei você no ringue. Fui assistir um filme, mas o Joe estava vendo, tipo, Dear John — Nate fez uma careta e Julia riu novamente. — Quer dizer, um militar apaixonado! Por favor. Então eu fui dormir, mas, obviamente, não consegui. Fiquei encarando o teto durante umas três horas até cochilar, e aí sonhei com você. Acordei e não tinha se passado nem uma hora desde que eu havia pego no sono, e então... eu peguei o celular, decidido a te mandar uma mensagem que fosse, mas... as palavras não saíram.
— O “eu te amo” veio na terceira mensagem — Julia relembrou com um sorriso. — Me lembro do quão petrificada e animada eu fiquei quando as li.
Nate sorriu.
— Quando eu mandei a terceira mensagem, me senti o garoto mais idiota do universo — disse ele, sorrindo. — Queria que você respondesse imediatamente, mas eu já sabia que você não tinha sinal. Queria ter visto o que você fez quando viu que eu te amava mesmo. Me arrependo de não ter dito isso ao vivo só por que não vi o seu rosto.
— Mas você viu depois — ela disse, com um enorme sorriso no rosto. — Quando apareceu lá em casa na segunda-feira do nada. Nem acreditei quando te vi. Quando percebi, já estava agarrada a você, dizendo que te amava também. Era a mais pura verdade. Acho que eu sabia disso desde o momento em que te vi no refeitório daquele colégio junto ao Dan.
As mãos de Nate começaram a suar, e ele tentou de toda maneira esconder isso com o sorriso verdadeiro que se fez em seu rosto.
— Você foi feita para mim — disse ele, fazendo-a se derreter. — Todo esse tempo que a gente ficou separado só me fez ver que... nós precisamos aproveitar o tempo que a gente ainda tem. Juntos.
— Nós temos uma vida inteira pela frente, Nate — Julia disse, os olhos verdes brilhando para ele.
Então, antes que ela percebesse, a música calma que tocava no lugar foi substituída pela melodia de Never Gonna Be Alone – Nickelback. Julia olhou em volta, com a boca entreaberta, completamente atônita, enquanto a música ficou muito mais alta do que estava antes.



Time, is going by, so much faster than I, and I'm starting to regret not spending all of it with you.
Now I'm, wondering why, I've kept this bottled inside. So I'm starting to regret not telling all of it to you.
So if I haven't yet, I've gotta let you know...
You never gonna be alone from this moment on.
(O tempo está passando, muito mais rápido do que eu, e eu estou começando a me arrepender de não gastar todo ele com você.
Agora estou, querendo saber por que eu tenho mantido isso engarrafado aqui dentro. Então, eu estou começando a me arrepender de não dizer tudo isto para você.
Então se eu não o fiz ainda, quero que você saiba...
Você nunca vai estar sozinha deste momento em diante).




— Olha, Nate! — disse ela, referindo-se obviamente à música. Nate sorriu, as mãos suando loucamente, tentando se fazer de desentendido. — Você lembra?
— É a nossa música — disse ele, sorrindo, enquanto a música ficava mais alta e os demais clientes do restaurante começaram a sorrir com a melodia envolvente. Nate colocou a mão no bolso do paletó, tremendo, implorando a si mesmo para ficar calmo.
Julia ainda estava encantada enquanto a música adentrava seus ouvidos e arrepiava todos os pelos do seu corpo. Só podia ser brincadeira! A música dela e de Nate, tocando justo ali, naquela altura, quando eles finalmente estavam juntos?
Então seu sorriso se ampliou. Claro, Nate havia mandado aquela música tocar. Procurou o rosto sapeca do homem que amava, e ele a encarava, com um meio sorriso no canto dos lábios. Julia abriu a boca para perguntar o que ele pretendia com aquela música tocando, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, seu celular dentro de sua bolsa começou a apitar e vibrar. Julia revirou os olhos e retirou-o de lá, achando que não tinha hora mais imprópria para alguém mandar-lhe uma mensagem de texto.
O número era desconhecido. Oras, ela nem sequer conhecia a pessoa que estava atrapalhando seu momento perfeito?! Bufou e apertou o botão para abrir a SMS, lendo-a de imediato.



“Quer se casar comigo?”




Quando, com o coração batendo a mil por hora e os olhos lacrimejando, ela olhou para Nate, viu que ele havia se ajoelhado e estava com um anel em suas mãos. Um sorriso brincava em seus lábios perfeitos. Uma felicidade e uma esperança irradiavam de seu coração.
— Eu precisava ver o seu rosto dessa vez — disse ele, sorrindo, e segurando a mão de Julia que subitamente tinha começado a tremer. — Me faça o homem mais feliz desse mundo. Fique comigo pra sempre.
As lágrimas já transbordavam de seus olhos com toda a liberdade quando ela disse sim.


I'm gonna be there all of the way. I won't be missing a one more day.
I'm gonna be there all of the way…
I won't be missing a one more day.
(E vou estar lá pra seguir todo o caminho com você. Não vou estar fora mais um dia sem você.
E vou estar lá pra seguir todo o caminho com você...
Não vou estar fora mais um dia sem você).




[...]



Um sorriso brincava nos lábios de Luke enquanto ele caminhava tranquilamente pelos corredores vazios de sua escola de música. Acabara de conversar com Dan em sua sala, enquanto ainda tentava compor, e soube subitamente que Nate estava noivo! De Julia!
Luke não poderia ficar mais feliz pelo amigo. Não era segredo para ninguém que Nate sempre fora completamente apaixonado por Julia, mesmo que ela estivesse tão longe dele, a mando de Jason. O amor daqueles dois era mesmo muito forte para aguentar tanta coisa — a distância, o pai dela, as pessoas, a saudade, a dor. Era impossível não ficar feliz ao saber que tudo finalmente se resolvera para o rapaz e para Julia também.
Luke gostaria de aproveitar essa felicidade e usá-la para escrever alguma coisa, mas já tinha plena consciência de que isso não aconteceria. Era um fato: ele estava total e completamente petrificado musicalmente. Até tentou compor alguma coisa, mas no momento em que mostrou à Tereza, ela virou-se para ele e disse que estava uma bosta. Sinceramente, a sinceridade de sua assistente podia ser um pouco menos acentuada.
Mas Luke acreditaria nela, por que, querendo ou não, Tereza era uma das pessoas que mais admiravam seu trabalho no mundo, depois de seus pais. Se ela foi capaz de criticar da forma que criticou, realmente não estava nada bom.
Sua cabeça ainda doía da noite anterior e Luke teria uma reunião com Brian no dia seguinte, às 15h. Como a chance de compor alguma coisa até lá era de zero por cento, Luke já desistira e pensava em algum argumento que tornasse a indenização que ele pagaria a Brian menos cara. Provavelmente falaria com seu advogado ainda hoje.
Porém qualquer pensamento que estava em sua mente se esvaiu quando ele, de repente, escutou a música, de uma das salas de sua escola.



And when we get home, I know we won't be home at all. This place we live, it is not where we belong.
And I miss who we were in the town that we could call our own… Going back to get away, after everything has changed…

(E quando nós vamos pra casa, eu sei que não ficaremos em casa. Esse lugar em que vivemos, não é onde pertencemos.
E sinto falta de quem éramos na cidade que chamávamos nossa... Voltando para escapar, depois de tudo ter mudado...)

'Cause you remind me of a time when we were so alive. Do you remember that? Do you remember that?
Everything has changed…
'Cause you help me push aside all that I have left behind? Do you remember that? Do you remember that?
(Porque você me lembra do tempo em que éramos tão vivos. Você se lembra disso? Você se lembra disso?
Tudo mudou...
Porque você me ajuda a esquecer tudo que eu deixei pra trás. Você se lembra disso? Você se lembra disso?)




Luke conhecia aquela voz. Luke conhecia aquele som. Luke conhecia aquele jeito de tocar piano. Luke só não conhecia aquela música.
Mesmo assim, por vontade própria, suas pernas o levaram até a sala que mantinha a porta fechada. O som parou, e logo um solo de piano reiniciou. Os pelos de sua nuca se eriçaram quando isso aconteceu, e muito lentamente ele abriu a porta, encontrando a dona daquela voz e daquela melodia atrás de um piano, de olhos fechados, movendo-se como a música, sentindo a música como se fizesse parte dela. Seus dedos se movimentavam com uma maestria inimaginável.
Ela não mudara nada.
Luke se sentiu bobo. Sabia que deveria odiá-la. Sabia que deveria virar-se e ir embora dali, sem pensar em nada, para procurar ser o chefe ruim que já estava se habituando a ser. Mas... meu Deus, era tão impossível odiar aquele som. Aquela voz e aquele jeito único de fazer música.
Repentinamente, tornou-se tão impossível odiar tudo nela.


So we stand here now... and no one knows us at all.
I won’t get used to this. I won’t get used to being gone.
Going back won’t feel the same, if we aren’t staying.
Going back to get away. After everything has changed…
(Então nós ficamos aqui agora... e ninguém nos conhece.
Eu não vou me acostumar com isso. Eu não vou me acostumar em ter partido.
E voltar não seria o mesmo, se nós não ficarmos.
Voltando para escapar, depois de tudo ter mudado...)


'Cause you remind me of a time when we were so alive. Do you remember that? Do you remember that?
Everything has changed…
'Cause you help me push aside all that I have left behind? Do you remember that? Do you remember that?
(Porque você me lembra do tempo em que éramos tão vivos. Você se lembra disso? Você se lembra disso?
Tudo mudou...
Porque você me ajuda a esquecer tudo que eu deixei pra trás. Você se lembra disso? Você se lembra disso?)




As palavras entravam pelo ouvido de Luke e penetravam sua alma. Ela ainda não notara sua presença ali e continuava tocando sentidamente, as palavras cantadas ecoando de sua boca como um som perfeitamente audível e bem feito. Sua voz estava mais grave do que ele se lembrava, mas ainda assim, estava perfeitamente envolvente e bonita. Seus cabelos, como quase sempre que ela tocava, estavam presos em um coque frouxo na cabeça.
Aquela letra... não falava apenas sobre um lugar. Atônito e sentido, Luke percebeu que aquela letra falava sobre ele. Falava sobre seu comportamento e sua atitude boba em relação a ela. Falava sobre o quanto ela sofria com aquilo, por voltar à sua casa e notar que ela não era mais seu lar.
Tudo mudou...
A música se cessou, mesmo que Luke soubesse que ela ainda não estava terminada. Ela rabiscou alguma coisa no pedestal à sua frente e no caderninho vermelho ao seu lado. A melodia e a letra, Luke pensou no mesmo momento em que o olhar dela se direcionou a ele.
— Luke? — perguntou ela, corando imediatamente, surpresa por ter sido pega compondo.
Subitamente, ele se sentiu tão envergonhado quanto ela por estar espiando.
— Você não perdeu a mania de fechar os olhos enquanto toca, não é? — perguntou ele, deixando um meio sorriso fazer-se em seu rosto. Pega de surpresa pela sua expressão normal e que não a julgava, ela se deixou sorrir também, sem saber bem o que fazer.
— Velhos hábitos nunca mudam — disse ela, rabiscando alguma coisa no caderno. Dessa vez, Luke sabia que não era nenhuma letra. Ela apenas estava desviando sua atenção dele. — Eu só... sabe, senti vontade de tocar. É só uma música qualquer.
— Eu gostei — Luke foi adentrando a sala e o coração dela ficou mais acelerado. — Mas se aceita uma sugestão, você poderia acelerar um pouco mais o compasso. Apenas uma colcheia. Ficaria bem melhor.
Sophie levantou seus olhos castanhos para encarar os dele, que não esboçavam uma emoção maior como ela, mas que pareciam não odiá-la como sempre. Não soube bem como decifrar aquilo. Mas, com um sorriso singelo nos lábios, ela agradeceu.
— Se for gravar em estúdio, fica legal se alguém cantar a segunda parte do refrão. Uma voz masculina, quero dizer — disse ele, gesticulando com as mãos. — Enquanto você canta o “everything has change”, alguém vem com o resto.
Sophie riu.
— Luke, eu só estou brincando com o piano — disse ela. — Não sou mais uma adolescente, sabe? Não entro mais em estúdios.
Luke sorriu também, envergonhado.
— Desculpe, é só meu lado produtor musical aflorando — disse, enfiando as mãos nos bolsos. Sophie deu de ombros, como se aquilo não fosse nada, e desviou seu olhar do dele. — Já está terminada?
Sophie foi pega de surpresa. Encarou o pedestal a sua frente, todo rabiscado, mas sem quase nada definido.
— Não — respondeu ela. — Comecei a escrevê-la tem pouco tempo, na verdade.
— Hum — murmurou ele, aproximando-se do piano de onde ela estava sentada. — Precisa de ajuda?
Sophie levantou seus olhos para encarar os dele. O que ele pretendia com aquilo? Não estava sendo nem um pouco grosso ou frio como fora nos últimos dias. Não mostrava toda a sua dor ou o seu ódio com o olhar. Estava sendo até mesmo legal, e agora queria compor com ela? Sabendo ele que isso com certeza lembraria tempos antigos e o machucaria?
Ela suspirou. O Luke de ultimamente conseguia ser um mistério para ela.
— Claro — respondeu, por fim, puxando uma cadeira e sinalizando para que ele se sentasse. — Na verdade, eu já tenho grande parte dessa música. Ela é bem calma e simples, por que é...
— Tocada na escala de dó, entendi — Luke sorriu, colocando suas mãos sobre o piano sem calda. Sophie arriscou dar uma olhada em seu rosto e sentiu seu coração se inundar quando percebeu que os olhos dele brilhavam só em falar de música. Os dedos dele começaram a se movimentar pelo teclado, fazendo quase o mesmo solo que Sophie fizera anteriormente. — Tá, não entendi. Como você fez?
Havia quase uma leveza em sua voz. Ela sorriu, colocando seus dedos pelas teclas, pronta para refazer seus movimentos. Mas nesse momento, os dedos dela se chocaram com os dele, e Sophie se sentiu uma idiota por ter sentido a corrente elétrica nascer em seus dedos e inundar todo o seu corpo. Concentrou-se no piano, incapaz de encarar Luke, e refez o solo com cautela para não errar. Luke murmurou que tinha entendido e imitou seus movimentos perfeitamente, concentrado. Então pediu para Sophie cantar.
Hesitante, ela o fez. Cantou toda a primeira parte da música que havia escrito no caderninho vermelho, e quando pronunciou a primeira frase do refrão, Luke começou a cantar também ao fundo. Sophie fechou os olhos, sentindo a voz dele, tão forte e delicada ao mesmo tempo, tocar seu coração. Os olhos dele estavam concentrados em tocar o piano e ao contrário da voz dela, a dele não oscilava. Luke estava calmo e limpo enquanto cantava a música que ela compusera para libertar todos os sentimentos que tinha em relação a ele próprio. E subitamente, o momento que deveria ser constrangedor para ambos, tornou-se a coisa mais acolhedora que Sophie já tinha experimentado com a exceção do abraço de seu filho.
Ao fim da segunda parte da música, Sophie sorriu enquanto ele elogiava sua voz, meio timidamente. A timidez havia sido a substituta da tensão, pelo menos com relação a ela, que ainda não entendera o que Luke pretendia com tudo aquilo. Mesmo assim, deixou com que a musica a levasse, e compôs a última parte daquela letra junto a ele. Sentiu-se bem, leve, solta, como há muito tempo não se sentia. Mas acima disso, sentiu uma ligação colossal com a época em que ela e Luke compunham, completamente apaixonados um pelo outro. Sentiu como se estivesse voltando no tempo, fazendo uma coisa que ela já fizera antes como se fosse a primeira vez.
Com a única diferença de que, agora, apenas ela sentia. Estava muito claro que Luke lutava para compor aquilo pelo simples prazer de compor. Com certeza ele ignorara a segunda parte do refrão que fora toda e completamente escrita para ele, porém a paz ainda se instalava pelo interior de Sophie, e ele pediu a Deus que aquele Luke não fosse embora. Não que Luke não fosse embora para longe dela, mas sim que aquele Luke, leve, bonito e sensível, se instalasse no lugar do Luke frio, arrogante e grosso. Pior do que saber que Luke a odiava, era saber que ele tornara-se outra pessoa por culpa dela.
Talvez por isso aquele momento estivesse sendo tão especial. Por que, dentro daquele rapaz, o Luke que ela amava mais do que tudo estava se expressando depois de muito tempo.
— Acho que está pronta — disse ele, em relação à música. Sophie sorriu e se virou para o pedestal e para a letra, analisando-os.
— Está sim — disse ela, com um meio sorriso no rosto. — Obrigada — ela agradeceu, olhando no fundo de seus olhos azuis, paralisando-os por um momento. Luke não sorriu e não esboçou reação, mas Sophie sabia que sua cabeça estava uma confusão. Ele demonstrava isso com seu olhar confuso e azul como o mar.
Então o celular de Luke tocou de repente, tirando-os do transe. Sophie suspirou e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, enquanto ele pediu licença educadamente e atendeu ao telefone, sem se levantar de seu lugar.
— Alô, Brian — disse ele com o celular. Sophie mordeu o lábio. O que estava acontecendo? Por que isso estava acontecendo? Por que Luke não estava mais odiando-a como no dia anterior? Por que ele acabara de compor com ela? Por que esses olhares? O que se passava em sua cabeça? O que ele pretendia com isso? Droga! Perguntas, perguntas, e nada de uma resposta que fizesse sentido. Talvez Luke tenha pensado no que ela disse sobre ele estar matando a si próprio. Talvez... ele apenas tenha mesmo gostado da música e sentido uma vontade de compor. Mas... Céus! Por que tudo tinha de ser tão complicado? — Sim, cara, eu sei. Mas entenda que eu simplesmente não tive como te entregar a música. Sim, eu sei que assinei um contrato, Brian, mas... não deu. Sinto muito... — Sophie direcionou sua atenção para a conversa que Luke tinha com o tal Brian. Ele bagunçou o cabelo e coçou a nuca, visivelmente preocupado. — Tudo bem, escute, nós conversamos amanhã na reunião... Sim. Isso... Me desculpe, cara, não foi minha intenção... Certo. Tchau. — Então Luke desligou, suspirando e coçando a nuca novamente. Pareceu ter se esquecido que Sophie estava ali quando, de repente, seus olhares voltaram a se cruzar e ele corou levemente. Sophie colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha novamente.
— O que houve? — perguntou, tomando cuidado para não ser indelicada.
— Nada — respondeu ele de imediato.
— Você tem que entregar uma música para esse Brian? — ela mesma tirou suas próprias conclusões, fazendo com que Luke ficasse ainda mais corado. — Você também é compositor...
— Sim, sou — disse ele, engolindo seco. — E... eu estou devendo uma música para o Brian, mas...
— Bloqueio de inspiração? — concluiu ela e Luke ergueu as sobrancelhas, sem saber como ela sabia daquilo.
— É — confirmou ele. — Isso.
Sophie sorriu de canto e fez que sim com a cabeça, entendendo. Pegou o caderninho vermelho, arrancou a folha da música que acabara de compor e retirou a partitura do pedestal. Dobrou-as.
— Agora você não deve mais nada — disse ela, estendendo os papéis para Luke. — Acabou de compor uma música para o Brian.
Luke ficou espantado pelo que viu. Piscou algumas vezes, encarando os papéis na mão de Sophie, sem acreditar no que ela estava dizendo. Parecia não ter entendido o que ela quis dizer, de tão pasmo que estava. Não pegou os papéis que estavam nas mãos dela e cruzou seus olhares novamente.
— Não posso — disse ele. — É a sua música.
Sophie ainda sorria.
— Você me ajudou — disse ela com a voz muito calma, quase rouca. — E que quero te dar a música. Quero muito mesmo. Encare como... um pedido de desculpas.
Luke ainda não pegara os papéis de sua mão e estava mais pálido do que ela jamais tinha visto. Alternava seu olhar confuso entre os olhos e as mãos dela, claramente sem saber o que fazer. Sophie sorriu de novo, empurrando os papéis contra ele, abrindo suas mãos e fazendo-o segurar os papéis. Sentiu um arrepio correr sua espinha quando suas peles se tocaram.
— Mas eu não posso aceitar. Você compôs, e... — ele começou a dizer, atônito, e Sophie o cortou.
— Eu sou uma musicista, Luke — disse ela, sorrindo. — Componho músicas o tempo todo.
Não era verdade. Desde que saíra de Nashville, a única música que Sophie compusera foi para fazer com que Henry dormisse a noite, quando era muito pequeno. A música só tinha um verso: “durma, meu bebê, ou vai fazer sua mamãe enlouquecer”.
Mas Sophie queria que Luke aceitasse a música e usaria de todos os argumentos para isso.
— Você compôs também — retomou ela. — E tem a chance de transformar essa música em algo bom e conhecido. Aceite.
Houve um pouco de hesitação por parte dele, que encarou os papéis em suas mãos antes de sorrir, verdadeiramente, pela primeira vez desde que Sophie o tinha visto há três semanas. Encarou-a com algo muito parecido com gratidão.
— Obrigado — murmurou, sem desprender seu olhar azul e hipnotizante dela. Sophie perdeu-se em seus olhos e em seu rosto maravilhosamente perfeito e mudado. Quando deu por si mesma, já estava olhando sua boca, a curva singela de seus lábios rosados e extremamente atrativos. Pela primeira vez em seis anos, ela quis beijar alguém. Quis sentir aqueles lábios pressionados contra os dela.
— Por nada — murmurou ela de volta, corada com os próprios pensamentos bobos, e desviou o olhar do rosto de Luke. Voltou a atenção para o piano e levou suas mãos trêmulas até o pedestal, ajustando-o nervosamente. Estava pensando que deveria controlar seus sentimentos e suas sensações no momento em que a mão de Luke segurou seu queixo e tomou seus lábios em um beijo urgente.



Notas Finais

Ei, bebês! ÃKASOPAKSÃPOS
Cara, olha, eu estou animada e feliz. Sei que esse capítulo foi cheio de emoções para vocês e vocês tão malucos para verem o próximo, mas deixe-me dizer uma coisa: HOJE (15/10/12) É ANIVERSÁRIO DA OAV2! Acabei de fazer uma twitcam no twitter da Tereza @iamnotsonaive, e isso foi a coisa mais incrível. Meu Deus. Mas falo disso no próximo capítulo, já que hoje, niver da oav2, VOCÊS TERÃO ATUALIZAÇÃO DUPLA!!!
Ai, meu Deus, que amor.
Falando sobre esse capítulo, a bronca de Sophie ÇOAKSÃOSLKA~SOPLA~SOPLSA E O PEDIDO DE CASAMENTO E E E LET ME DIE.
Essa foi uma das ideias mais fofalindas que já tive.
E, claro, Franklin.
Chorando.
E o beijo.
HEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEIJASÇOAKS~PASL´PLA´~S~SÃ~´SA]´SAOLS~]´LKS~´ASLK]´SLKA´SLPK vão ver o resto no capítulo 58.
tchau vcs, lindos s2 comentem pra mim.  

Um comentário:

  1. Renally Vasconcelos aqui,
    Sarah vc me fez ficar, tipo, renally em estado liquido com esse pedido de casamento, serio vei, que coisa mais perfeita foi essa? Ahh a musica da Soph pro Henry dormir "dorme, meu bebê, se nao sua mae vai enlouquecer" kk quando eu tiver um filho tbm vou cantar assim! E o beijo, cara, vc parou na melhor parte! Bjs vou correndo ler o outro chap!

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